Houve um tempo em que o mundo era quadrado, mesmo vivendo numa nova era da democracia no Brasil. Nos anos 80 a globalização ainda não era a cultura do mundo, ainda se falava em socialismo, países de segundo mundo e Tancredo Neves. Eu me importava mais com Pirata do Espaço (GroiserX), palhaço Carequinha, Xuxa da Rede Manchete e a Turma do Balão Mágico. Sim, a TV pra mim foi referência de muita coisa legal, assim como para a maioria dos espectadores, atualmente pais e mães de família, com mais de 30 anos. Foi logo depois dessa época, em 1988, de véspera pra viajar pra “terra do futuro” (Porto Alegre) que eu cheguei à casa de um amigo e ele estava brincando com a TV. Isso mesmo, a TV mostrava desenhos multicoloridos, sons animados e, inacreditavelmente, ele podia orquestrar tudo aquilo com as mãos. Eu tentei jogar, mas achei um pouco difícil e preferi ficar admirando tudo aquilo. Perguntei o que era aquilo e ele me disse: é um videogame.
Um ano depois, no natal de 1989, meu pai me deu um Supergame CCE VG-3000, um clone brasileiro do Atari 2600, já ultrapassado no resto do mundo, porém novidade emocionante pra mim. Depois de seguir à risca a instalação que vinha no manual do produto, nada ocorreu e, assim, passei mais de cinco dias angustiado e me curar de uma gripe que já me deixara preso em casa por mais de uma semana. Foi aí que um amigo mais jovem de meu pai, que manjava de videogames foi lá em casa e resolveu o problema apenas encaixando o cartucho, que estava apenas inserido no slot, mas não encaixado. Tenho que revelar que melhorei da gripe mais instantaneamente que miojo. Foram dias seguidos de Pac-man, Chopper Command e Megamania. Dias depois outros jogos, como Keystone Kappers, Jawbreak, Seaquest, Flash Gordon, Demon Atack e Mr. Postman, debutaram na coleção. Eu queria democratizar o videogame, queria que todo mundo pudesse jogar sem pagar, e assim transformei o apartamento de meus pais num verdadeiro fliperama às vezes com mais de 20 amigos (e até gente que eu nunca tinha visto), numa só sala. Obviamente isso não durou muito.
Com meu Supergame CCE eu tentei fazer do AP de meus pais
um fliperama gratuito (que não durou muito tempo)
Com o passar dos anos vieram os 8 bits, os 16 bits, jogos holográficos como o Trime Traveler, jogos filmados como o Mad Dog McCree e simuladores realistas. Tudo em minha volta transpirava modernidade e eu tinha certeza de que vivia com um pé no futuro, afinal nada era mais moderno do que passar spray Studio Line no cabelo, calçar um tênis M2000 com amortecedor, escutar a recém tocada Sweet Child O’Mine e claro, jogar videogame.
Plantamos a vida e colhemos o amadurecimento e a responsabilidade, entretanto, a diversão, que é boa, continua a mesma de antes. O problema é aquele velho “trilema”: quando somos jovens, temos saúde, temos tempo, mas não temos dinheiro... quando somos adultos temos saúde, dinheiro, mas não temos tempo... e quando estamos velhos, temos tempo, temos dinheiro, mas não temos saúde. E então, o que fazer? "Viver e deixar morrer", ser você mesmo, sempre.
Jogar videogame seria uma perda de tempo? E jogar futebol... também não seria? (mas o futebol faz bem para o corpo... ok, já ouviu falar de Wii Sports?). Atualmente o videogame é um elemento da cultura globalizada. Quem o rejeita, enquanto manifestação cultural, simplesmente ignora a criatividade, a tecnologia, os empregos gerados e o poder de uma indústria que fatura mais que o cinema e a música juntos, por puro e simples preconceito... talvez por não entender algo alheio à sua formação pessoal, ou não se deixar seduzir pela magia gerada pela virtualidade.
Aonde seria possível nos desligarmos, por um instante, de uma vida cheia de trabalho e responsabilidade, de nossos compromissos com o mundo real, para vivermos novas experiências, tomar uma nave espacial, lutarmos por uma causa e sermos heróis ao final do dia? Pois é, esse sentimento de descoberta e desafio passou a ser mútuo com o advento da internet e dos jogos em rede. Atualmente, a imersão virtual é tão grande que, curiosamente, me remete a alguns filmes que marcaram minha infância de “Sessão da Tarde”. Um deles era o The Last Starfighter, conhecido aqui no Brasil como “O último guerreiro das estrelas”. Neste filme dirigido por Nick Castle, o adolescente Alex Rogan, que vive numa cidade de interior, tem como hobby jogar o arcade (fliperama) Starfighter, um jogo de batalha espacial. Certa noite, ao bater o recorde do jogo ele se depara com o criador do jogo, Centauri, que o saúda e convida para “dar uma volta”. Só que o carro de Centauri se transforma numa espaçonave e parte com eles para o distante planeta de Rylos e lá Alex descobre que Centauri é um alien, que a batalha simulada que ele jogava é real e que agora ele é um piloto e a última esperança de um povo. Precisa dizer que eu pirava com esse filme pirado? Bater o recorde dos jogos de Atari se transformou numa meta a ser perseguida. Afinal, vai que um alien aparecesse em casa te convidando pra salvar a galáxia né? Era preciso estar preparado...
O cult Tron, filme de ficção da Disney e um dos pioneiros a utilizar efeitos de computação gráfica, foi uma revolução. Ao contrário do The Last Starfighter, Tron desmaterializa o mocinho Kevin Flynn para dentro do videogame onde ele se torna o programa Clu, que precisa se aliar aos programas Tron e Yori, personagens que lutam contra um opressor numa sociedade futurista.
Heróis virtuais, quantos será que existem ao redor do mundo?
Realidade virtual, efeitos digitais, meu, isso aí era o futuro!
Passei a admirar a maneira de como os programadores expressavam a realidade ou a fantasia nos jogos. Tecnologicamente limitados, os jogos de Atari exibiam poucos detalhes na tela da TV. A maioria dos jogos se esforçava para funcionar, ou seja, eles não tinham nada de beleza. Nadando contra a maré, a Activision, empresa desmembrada da Atari, criou os mais bonitos e criativos jogos da época. Eles chamavam a atenção pela riqueza de detalhes e cenários sempre coloridos. Eram nesses jogos que minha imaginação fértil soltava os pés do chão.
Difícil não se encantar pelo desafio e pela curiosidade, do que se passava por trás dos céus em perfeitos degradês. Estes apareciam em diversos jogos, em especial no Enduro, cujo céu mudava constantemente ao longo do jogo, dando a impressão de dia, entardecer, noite e amanhecer... era uma corrida infinita numa busca por um céu colorido e suas montanhas distantes... os confins do mundo.
Frostbite também usava esse recurso muito bem... deixando a impressão de “noite polar com aurora boreal”.
O BMX Airmaster exibia um degradê vespertino, que me remete às tardes de domingo que eu passava no Parque Marinha, cujo shopping vizinho (Praia de Belas) era nada mais nada menos que o mesmo do jogo Keystone Kappers. Seaquest, Chopper Command, Oink!, Barnstorming, entre muitos outros, apresentavam esse efeito para simbolizar um céu sem limites de imaginação... um céu livre para um mundo de possibilidades...
Enduro: correndo até os confins do mundo
Frostbite também usava esse recurso muito bem... deixando a impressão de “noite polar com aurora boreal”.
Frostbite: horizonte paralelo à desolação do ártico
O BMX Airmaster exibia um degradê vespertino, que me remete às tardes de domingo que eu passava no Parque Marinha, cujo shopping vizinho (Praia de Belas) era nada mais nada menos que o mesmo do jogo Keystone Kappers. Seaquest, Chopper Command, Oink!, Barnstorming, entre muitos outros, apresentavam esse efeito para simbolizar um céu sem limites de imaginação... um céu livre para um mundo de possibilidades...
BMX Airmaster e Keystone Kappers: representação digital
das tardes de domingo no Parque Marinha e no Shopping Praia de Belas
Esse post é mais filho do meu saudosismo, do que de meu desabafo pela falta de tempo que tenho para me divertir. É o sentimento que vaza talvez em função de um novo ciclo que se inicia em minha vida... um céu real de desafios e possibilidades.
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