Andei pensando esses dias sobre algo que é comum a maioria de nós: o tempo em que passamos na frente de um computador. Hoje em dia é comum que as pessoas passem mais de 3 horas diárias em frente a essa máquina, mas antigamente (década de 80 e 90) isso ainda era uma novidade. Atualmente, o computador representa uma extensão do ser humano no mundo em que vivemos, e por que não dizer um encontro consigo mesmo, uma vez que somos o que sabemos, o que queremos e o que sonhamos, e tudo isso imprimimos no nosso relacionamento com o computador. Bem, deixando a filosofia um pouco de lado, o objetivo desse tópíco é relembrar com saudosismo a alvorada de uma era que me marcou, a era do computador.
Era uma vez em 1990, na cidade de Porto Alegre um guri magro e cabeçudo, louco por videogames (eu). Naquele ano passou um especial do Globo Repórter sobre os videogames, que começavam a virar uma mania nacional, e logo após esse programa meu pai me prometeu um Phantom System (um Nintendo 8 bits genérico, fabricado pela Gradiente). Estudei feito um alucinado, porém no final do ano meu pai não pôde me dar o tão sonhado videogame, pois havia acabado de adquirir um computador. Naquela época computadores ainda eram raros, só existiam em bancos e empresas. Para vocês terem idéia, no Departamento de Solos da UFRGS só existiam dois computadores, um na secretaria e outro para uso geral dos estudantes e professores (que tinham prioridade). Como o acesso aos computadores era algo extremamente restrito, muitos estudantes de doutorado compravam o seu próprio computador, a maioria clandestinamente (Paraguai, óbvio).
Naquela época imperava no Brasil a Lei de Informática, uma lei extremamente imbecil, que restringia a entrada de hardware importado (CPUs, monitores e outro periféricos) visando estimular o crescimento da indústria nacional, mas que ao mesmo tempo prejudicava quem dependia de computadores para trabalhar, ou seja, os consumidores. Essa cagada histórica resultou num enorme atraso para empresas, universidades, e outras entidades, quando teria sido mais interessante a criação e o desenvolvimento nacional de softwares adaptados para hardwares já existentes. Assim, as opções eram as seguintes: 1 – comprar um computador nacional como o Itautec, caríssimo e ineficiente; 2 – importar um computador dos E.U.A., caríssimo e super-eficiente; 3 – comprar um computador do Paraguai, com excelente custo-benefício, mas totalmente clandestino. Os Itautec da vida eram até atraentes, porém bastante inferiores aos computadores da época. Computadores potentes, importados dentro da lei, eram algo comum apenas para empresários ou gente podre de rica. Por sua vez, os computadores ilegais não pagavam impostos, assim eram acessíveis à pessoas comuns, como por exemplo, estudantes de pós-graduação.
O computador de meu pai era um PC AT 286 com 42 MB de HD e monitor CGA (preto e branco). Os monitores coloridos (trambolhos) eram caríssimos, coisa de 500 dólares na época, sendo que a maioria era importado (e tome taxa em quem se atrevesse a importar). Kit multimídia com CD e som digital ainda era novidade no Japão, por isso o som de nosso computador era o beeper, quase o mesmo que uma cigarra tentando imitar o som das coisas (horrível e saudoso). Não tínhamos mouse, algo também raro na época. Mesmo com todas essas limitações, era possível escrever textos (programa Wordperfect), calcular dados em planilhas (programa 1 2 3), desenhar (programa Havard Graphics) e imprimir textos e baners, pois tínhamos uma impressora Epson matricial que continua funcional até hoje. O engraçado é que a impressora fazia um barulho ensurdecedor e sempre que meu pai precisava imprimir algo ele fechava a porta do quarto e pedia para que cantássemos bem alto para que os vizinhos não escutassem a impressora trabalhando, pois poderiam denunciar à Receita que podia confiscar o computador de meu pai, prejudicando o seu doutorado. Resumindo, foram tempos engraçados.
Meu papel naquela época era ser o hacker, desbravador de comandos do DOS, que era o sistema operacional existente, aquela tela preta com um cursor piscando. Destemido, eu testava tudo pra ver até onde o computador agüentava. Não é preciso dizer que não demorou até eu tentar transformar o computador de meu pai num verdadeiro fliperama. Sanando a falta de meu videogame, meu pai conseguiu com colegas que viajaram ao exterior diversos jogos para PC, como Pac-man, Digger, Alley Cat, Tetris, Blockout, F-16 Combat Pilot, e muitos outros. Um dos que mais joguei foi o Grand Prix Championship Circuit, jogo de fórmula 1 sensacional que permitia pilotar 3 carros diferentes em campeonatos com os principais circuitos da fórmula 1 verdadeira, inclusive o GP Brasil. Eu era fera e sempre me sagrava campeão em todas as pistas.
Interface do sistema DOS: o usuário precisava ser quase um hacker pra usar um computador.
Grand Prix: muitas vitórias. Esse aí tá colorido, o meu era em preto e branco mesmo.
Outro jogo que fissurei foi Robocop. O jogo em si tinha gráficos horríveis e era extremamente difícil. No entanto a maior dificuldade era pra fazer o computador rodar o jogo. Como a memória do HD do computador era pequena (42 MB) eu tinha que usar disquetes. Nosso computador permitia uso de dois tipos: disquetinho (3½ polegadas e 1,44 MB de memória) e disquetão (5¼ polegadas e 0,36 MB de memória). Robocop era um jogo que cabia num disquetinho, porém como esses eram caros e restritos a meu pai. Assim, quando eu terminava uma parte do jogo o computador dizia “insira disco A”, “insira disco B” “C, D”... chegava uma hora que eu me atrapalhava todo com tanto troca-troca de disquetes (foda!). Dou risada quando me lembro de meu pai falando sobre a capacidade dos disquetes: “...com esse disquete você pode escrever mais de 100 páginas!!”, e eu dizia “...oh, que maravilha, né?”. Eu e cada uma de minhas irmãs tínhamos nosso próprio disquete, uma autonomia digital bem rudimentar. Precisa dizer que eu usava os disquetes delas também?
Disquetes de 5¼ e 3½ polegadas: quem não pegou essa época não sabe o que é sofrer
No recreio da escola funcionava a máfia dos jogos piratas, uma das vantagens do computador em relação aos videogames. Se você tinha um jogo podia fazer uma cópia dele em disquete e trocar com os colegas por outros jogos mais legais e interessantes. O resultado: vírus, muitos vírus, e meu pai correndo com o computador para a manutenção antes que sua tese fosse prejudicada. Com os vírus controlados pelo Norton (já existia), voltei a utilizar o computador com mais receio. Foi nessa época que Luciano, um colega de meu pai mandou para mim um jogo imortal: Prince of Persia.
Prince of Persia: tão revolucionário que parecia um filme.
Prince of Persia foi um dos jogos mais revolucionários de todos os tempos, tanto pelo enredo que se passava na Pérsia antiga, como também pelos gráficos extremamente realistas que mais lembravam um filme, e pela música climática e efeitos sonoros realistas. Era diferente de tudo que eu já tinha jogado e até hoje me divirto jogando. O mais incrível é que o jogo inteiro cabia num disquete pequeno, sem dúvida o melhor aproveitamento de um disquete na história da computação. Esse jogo merece uma postagem especial, por isso, seguimos adiante...
Já no final do meu período em Porto Alegre, o segredo do computador foi revelado aos meus amigos do prédio (nossa, nunca tinha guardado um segredo por tanto tempo assim!). Um dos meus amigos, Felipe, havia ganhado um MSX, que era ligado na TV e aceitava tanto cartuchos como disquetes. Pra mim aquilo era uma revolução, pois o MSX embora fosse mais antigo que o PC, era mais versátil e claro, tinha muito mais jogos. O problema é que viciei no computador alheio... ae era aquele lance: "7:00 da manhã", "Ding-dong", "Bom dia Tia, o Felipe está?", "Ele está dormindo...", "Ótimo, vou acordá-lo agora mesmo"... e enquanto ele escovava os dentes e tomava seu café eu ia ligando o MSX e instalando os jogos. Passávamos o dia inteiro jogando, principalmente The Goonies, jogo que pouco ou nada tinha a ver com o filme do Spielberg.
MSX: tempos em que "morei" na casa de um amigo
Quando voltei pra Areia-PB em 1993, pouquíssimas pessoas tinham computador e menos ainda tinham jogos em seus computadores. Apenas quando reencontrei com Alamo, amigo de infância de retorno da Espanha, foi que tive acesso a jogos que conhecia apenas por revistas especializadas. O computador dele era um MITAC 386 com monitor SVGA (colorido) e 66 MHz (o meu era 20 MHz com "turbo"), uma máquina a frente da época e que depois foi vendida à uma mortuária (quê?). Dentre os tesouros trazidos da Espanha por Alamo se destacavam: Golden Axe (igual ao do Mega Drive), Turtles Arcade Game (o jogo de fliperama das tartarugas ninja), Simpsons (igual ao de fliperama), Indiana Jones e a Última Cruzada (adventure da Lucas Arts), Maniac Mansion (pai dos adventures da Lucas Arts) e STUNTS (jogo de corrida em 3D). Cada jogo teve sua particularidade especial, porém o mais incrível é que eram originais, com encartes coloridos e alguns traduzidos para o espanhol. Essa última característica foi um pouco frustante pra mim, pois eu havia me acostumado com jogos em inglês (sempre com dicionário ao lado do PC).
Maniac Mansion em espanhol: meus games viraram juegos.
Com o tempo o computador de casa foi ficando defasado, incapaz de rodar o Street Fighter 2 que eu conseguira em primeira mão com Silvino, amigo areiense mais fissurado em computadores naquela época. Meus colegas de escola Damy e Tassiano já desfrutavam do Windows 3.1, enquanto eu me prendia ao ultrapassado DOS e seus comandos mirabolantes. Finalmente em 1996 meu pai substituiu nosso computador por um AMD K6 e vieram tempos de monitor colorido, Windows 95, 98, dias inteiros jogando Age of Empires. Naquele mesmo ano meu pai instalou nosso antigo computador 286 no laboratório da faculdade para gerar planilhas, formatar disquetes e outras coisas banais. Em pouco tempo ele foi encostado e nunca mais foi usado. Nesses dias me bateu uma saudade daqueles tempos antigos e uma dúvida ficou martelando... será que ele ainda roda Prince of Persia?
Quer entender resumidamente a cronologia dos computadores? Visite esse site: http://www.netangola.com/CCA/pages/marks/computador/parte4.htm
Quer entender sobre a Lei de Informática? Leia na íntegra esse artigo científico: http://www.scielo.br/pdf/gp/v11n2/a04v11n2.pdf
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